“São duas horas da manhã e você está deitado na cama. Tem uma coisa muito importante e desafiadora pra fazer no dia seguinte - uma reunião, uma apresentação, um exame. Precisa de uma boa noite de descanso, mas continua acordado. Você tenta diferentes estratégias pra relaxar - respira fundo, lentamente, conta carneirinhos, pensa numa paisagem bem tranquila - mas se não conseguir dormir no próximo minuto, chega a brilhante conclusão: minha carreira está perdida! Assim, você fica cada vez mais e mais tenso!”
Um dos assuntos mais comentados na sociedade moderna é o estresse, algo de que ainda falaremos muito em nosso blog. O trecho acima pertence ao livro “Why Zebras Don’t Get Ulcers”, de Robert M. Sapolsky, professor de Biologia e Neurologia da Universidade de Stanford, leitura que recomendo a todos que desejam compreender melhor a origem do estresse em nossa sociedade, os efeitos negativos dele sobre nosso organismo e as principais estratégias para enfrentá-lo.
O prof. Robert Sapolsky apresenta conceitos científicos atuais de maneira dinâmica e bem humorada, destacando a importância do tema nos cuidados de saúde das pessoas, algo ainda um tanto negligenciado por indivíduos e pelas próprias organizações onde trabalham.
Propõe então que façamos o seguinte exercício: “faça uma lista mental das coisas que você julga estressantes”. Trânsito, prazos, problemas financeiros, familiares ou de relacionamento no trabalho. “E se você fosse uma zebra? Nesse caso, o que vem de imediato em sua mente?" Ameaças físicas, predadores, fome.
Para os animais, uma das maiores preocupações é o enfrentamento de algum tipo de crise física aguda. Se você é aquela zebra, terá de superar uma eventual mordida, seu sangramento, a dor e ainda assim ter energia pra fugir. Tão estressante quanto, seria se você fosse o leão. Como ter energia para superar um longo período de fome e correr toda savana atrás daquela zebra?
Portanto, zebra e leão estão submetidos a eventos extremamente estressantes, que demandam uma resposta fisiológica aguda do organismo a fim de possibilitar sua sobrevivência. Nesse caso, o estresse agudo ajuda o organismo a produzir respostas neurológicas e hormonais adaptativas que facilitam o movimento de luta ou fuga. É possível correr mais depressa, resistir melhor a dor, concentrar mais na batalha etc. Imagine uma zebra despreocupada ou um leão “zen” - com certeza suas chances de sobrevivência diminuiriam.
Embora não tenhamos de fugir de predadores, enfrentar grandes injúrias físicas ou sair caçando por aí, a mesma lógica serve para nós seres humanos. Funcionamos bem em situações de estresse agudo. Conseguimos focar melhor em nossa tarefa, pensar com mais agilidade, buscar novas estratégias. Por outro lado, ao longo do tempo passamos a criar estressores dentro de nossa própria cabeça (vide exemplo inicial do texto). Estressores psicológicos e socias (invenções relativamente recentes dentro da escala evolutiva animal) que nos afetam antecipada e cronicamente. Todo dia, e mais ainda nos ansiosos, nos preocupamos com a possibilidade de sofrer algum tipo de violência urbana. Nos preocupamos com nosso desempenho profissional, com prazos que devemos cumprir, com o próximo imóvel que gostaríamos de adquirir, com a próxima crise econômica mundial, com o imposto de renda do ano que ainda nem começou e assim por diante. Esse fenômeno de antecipação é exclusividade do ser humano e está intimamamente relacionado ao jeito que vivemos hoje em dia.
A má notícia é que nosso organismo não está adaptado para isso. É como se o sistema de “alerta” ficasse ligado ininterruptamente. Sensação de ameaça constante! Adrenalina e cortisol 24 horas por dia.... E é exatamente isso que provoca o estresse deletério à nossa saúde. Portanto, quando ouvimos expressões como “era tão estressado que enfartou”, “desenvolveu um câncer de tanta preocupação”, “sua gastrite é nervosa”, não estamos falando de conceitos meramente populares. Embora extremamente simplificados, há embasamento científico que os validam hoje em dia.
No texto de hoje não tivemos o objetivo de detalhar fisiologicamente como o estresse impacta na saúde física ou mental das pessoas. Serve porém como uma rápida introdução do conceito de estresse e de alerta para que as pessoas se cuidem a respeito disso. Para quem quiser se aprofundar no assunto, o livro “Why Zebras Don’t Get Ulcers” é essencial. Segundo Oliver Sacks, o prof. Robert M. Sapolky é um dos melhores autores de ciência de nosso tempo, sem ser chato ou monótono.
Por fim, podemos extrair de seu livro uma mensagem final e refletir sobre a maneira que vivemos. Se você guarda sentimentos de intensa raiva, ansiedade, tensão ou tristeza por muito tempo, se não tem descanso, lazer, férias, atividade física ou prazer, é um forte canditado a ter alguma doença relevante no futuro, viver menos ou viver pior. Portanto, se preza por sua longevidade e por sua sáude, comece a cuidar de sua mente e a gerenciar seu estresse.
fonte: Why zebras don't get ulcers - Robert M. Sapolky.
Fonte: Dr. Victor Bigelli de Carvalho - Médico Psiquiatra